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Cornélia de Lange: Transtorno do movimento estereotipado

Barcelona On-Line | 22.09.18 | Valeska Magierek

Jordano, 21 anos, com Síndrome de Cornélia de Lange

O que é o Transtorno do Movimento Estereotipado?

O Transtorno do Movimento Estereotipado caracteriza-se por comportamento motor repetitivo, aparentemente direcionado e sem propósito (p. ex., apertar as mãos ou abanar, balançar o corpo, bater a cabeça, morder-se, golpear o próprio corpo). O comportamento motor repetitivo interfere em atividades sociais, acadêmicas ou outras, podendo resultar em auto lesão. O início se dá precocemente no período do desenvolvimento. Mas o comportamento motor repetitivo não é atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância ou a condição neurológica, não sendo mais bem explicado por outro transtorno do neurodesenvolvimento ou mental (p. ex., tricotilomania [transtorno de arrancar o cabelo], transtorno obsessivo-compulsivo).


Existe alguma outra especificação para o Transtorno do Movimento Estereotipado?

Sim, o Transtorno do Movimento Estereotipado possui outras especificações importantes para o diagnóstico. Neste sentido, precisamos especificar se há comportamento auto lesivo (ou comportamento que resulte em lesão, quando não usadas medidas preventivas) ou não; se está associado a alguma condição médica ou genética conhecida, transtorno do neurodesenvolvimento ou fator ambiental (p. ex., deficiência intelectual, exposição intrauterina ao álcool); e qual a gravidade atual: 1) Leve: Os sintomas são facilmente suprimidos por estímulo sensorial ou distração. 2) Moderada: Os sintomas exigem medidas protetivas ou modificação comportamental explícita. 3) Grave: Monitoração contínua e medidas de proteção são necessárias para prevenir lesão grave.


Como podemos entender a gravidade no Transtorno do Movimento Estereotipado?

A gravidade dos movimentos estereotipados não autolesivos varia desde apresentações leves,facilmente suprimidas por um estímulo sensorial ou uma distração, até movimentos contínuos que, de forma acentuada, interferem em todas as atividades cotidianas. Os comportamentos autolesivos variam em gravidade ao longo de muitas dimensões, incluindo frequência, impacto no funcionamento adaptativo e gravidade da lesão corporal (de hematoma leve ou eritema por atingir o corpo com as mãos, passando por lacerações ou amputação de dedos da mão, até descolamento da retina por bater a cabeça).


Qual é a prevalência/ocorrência do Transtorno do Movimento Estereotipado na população?

Movimentos estereotipados simples (p. ex., balançar-se) são comuns em crianças pequenas com desenvolvimento típico. Movimentos estereotipados complexos são muito menos comuns (ocorrem em cerca de 3 a 4%). Entre 4 e 16% dos indivíduos com deficiência intelectual (transtorno do desenvolvimento intelectual) apresentam estereotipias e autolesão. O risco é maior naqueles com deficiência intelectual grave. Entre pessoas com deficiência intelectual institucionalizadas, 10 a15% podem apresentar transtorno do movimento estereotipado com autolesão.


Como se dá o curso do Transtorno do Movimento Estereotipado?

Os movimentos estereotipados costumam iniciar-se nos primeiros três anos de vida. Movimentos estereotipados simples são comuns na infância e podem estar envolvidos na aquisição do domínio motor. Em crianças que desenvolvem estereotipias motoras complexas, cerca de 80% exibem sintomas antes dos 24 meses de vida, 12%, entre 24 e 35 meses, e 8%, aos 36 meses ou após. Na maioria das crianças com desenvolvimento típico, esses movimentos desaparecem como tempo ou podem ser suprimidos. O início das estereotipias motoras complexas pode-se dar na infância ou mais tarde no período do desenvolvimento. Entre indivíduos com deficiência intelectual, comportamentos estereotipados e autolesivos podem persistir durante anos, mesmo que a topografia ou o padrão da autolesão possa mudar.


Quais são os fatores de risco para o Transtorno do Movimento Estereotipado?

Para o Transtorno do Movimento estereotipado temos fatores de risco ambientais, genéticos e fisiológicos, como em qualquer outro transtorno. Para os fatores ambientais, o isolamento social é um fator de risco para auto estimulação, que pode progredir para movimentos estereotipados, com auto lesão repetitiva. Estresse ambiental também pode desencadear comportamento estereotipado. O medo é capaz de alterar o estado fisiológico, resultando em aumento da frequência de comportamentos estereotipados. Para os fatores genéticos e fisiológicos, o funcionamento cognitivo inferior está associado a risco maior para comportamentos estereotipados e pior resposta a intervenções. Movimentos estereotipados são mais frequentes entre indivíduos com deficiência intelectual de moderada a grave/profunda,que, devido a alguma síndrome particular (p. ex., síndrome de Rett) ou a fator ambiental (p. ex.,um ambiente com estimulação relativamente insuficiente), parecem estar sob maior risco para o aparecimento de estereotipias. Comportamento autolesivo repetitivo pode ser um fenótipo (característica) comportamental em síndromes neurogenéticas. Por exemplo, nas síndromes de Rett e de Cornelia de Lange, a auto lesão pode ser consequência de estereotipias mão-boca. Os comportamentos estereotipados podem resultar de alguma condição médica dolorosa (p. ex., infecção no ouvido médio, problemas dentários, refluxo gastroesofágico).


Qual é a importância do diagnóstico diferencial no Transtorno do Movimento Estereotipado?

O Diagnóstico Diferencial é importantíssimo para a escolha da conduta correta (para o tratamento mais adequado). No Desenvolvimento normal, movimentos estereotipados simples são comuns na primeira infância. Balançar-se pode ocorrer na transição do sono para a vigília, um comportamento que costuma desaparecer com a idade. Estereotipias complexas são menos comuns em crianças com desenvolvimento típico e podem geralmente ser suprimidas por distração ou estimulação sensorial. A rotina diária do indivíduo raramente é afetada, e os movimentos, em geral, não causam sofrimento à criança. O diagnóstico não seria apropriado nessas circunstâncias.

Mas existem outras condições em que movimentos estereotipados estão presentes e precisam ser diferenciados desses ou dentro desses casos: Transtorno do Espectro Autista, Transtornos de Tique, Transtorno Obsessivo-Compulsivo, etc.


Mas o diagnóstico de movimentos estereotipados exige a exclusão de hábitos, maneirismos, discinesias paroxísticas e coreia hereditária benigna. São necessários história e exame neurológico para avaliar as características sugestivas de outros problemas. Movimentos involuntários associados a uma condição neurológica podem ser diferenciados por seus sinais e sintomas.


NOTA DA REDAÇÃO: Valeska Magierek é Formada em Psicologia pela UFSJ, com especialização em Neuropsicologia pela FUMEC e mestrado em Psicobiologia na Escola Paulista de Medicina. Atua há 20 anos na área de Psicologia Infantil e Neuropsicologia. É a Diretora Clínica do Centro AMA de Desenvolvimento em Barbacena. www.centroamadesenvolvimento.com.br. Valeska.magierek@gmail.com .

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