O Estudo foi publicado em 2007 e está disponível do site da site da Editora Moreira Jr.
Resumo
A síndrome de Cornélia de Lange é uma entidade neurológica de etiologia desconhecida, mas se acredita que tenha origem gênica e padrão de herança heterogêneo. As anomalias mais freqüentes são baixa estatura, retardo mental, microbraquicefalia, sobrancelhas hirsutas, micrognatia, hirsutismo, nariz pequeno. Alterações menos freqüentes podem ocorrer como refluxo gastroesofágico, malformações cardíacas, surdez, miopia e problemas respiratórios, entre outros. Este trabalho teve como objetivo descrever os aspectos audiológicos de um indivíduo diagnosticado com síndrome de Cornélia de Lange, do sexo feminino, cursando com deficiência auditiva sensório-neural sugestiva de grau grave, bilateralmente, conforme PEATE.
Introdução
A síndrome denominada pelo próprio autor, Cornélia de Lange, foi descrita pela primeira vez em 1933(1).
A síndrome de Cornélia de Lange é uma entidade neurológica de etiologia desconhecida, mas se acredita que tenha origem gênica e padrão de herança heterogêneo. O risco de recorrência máxima desse quadro, na prole de um casal que já possua um filho afetado, sugerido pela literatura, é de 5%(2).
O risco empírico de recorrência na síndrome de Cornélia de Lange é de cerca de 2% a 5%. Parece haver uma forma menos grave, que pode ser autossômica dominante, em que o risco de recorrência para filhos de indivíduos afetados é de 50%(1).
A incidência da síndrome de Cornélia de Lange está subestimada por causa da mortalidade precoce e da existência de indivíduos com formas mais leves, em que o diagnóstico se torna mais difícil. As estimativas de incidência se situam entre 1 em 10.000 e 1 em 50.000 nascidos vivos(1).
A gravidade clínica pode variar de um caso para outro, sendo que nos casos discretos é difícil afirmar o diagnóstico com absoluta segurança(3).
Na síndrome de Cornélia de Lange o quadro clínico é muito característico, sendo que o acometimento varia em intensidade, número de segmentos afetados, nível de disfunção e agressividade do comprometimento(2).
Segundo Smith(3), as anomalias mais freqüentes são baixa estatura, retardo mental, microbraquicefalia, sobrancelhas hirsutas, micrognatia, hirsutismo, nariz pequeno. As menos freqüentes são convulsões, problemas oculares, implantação baixa de orelhas, hérnia de hiato, duplicação do intestino, entre outras.
Nos indivíduos com Cornélia de Lange podem ocorrer, ainda, anomalias funcionais de natureza endócrina, hematológica ou imunológica, o que constitui uma indicação sugestiva da influência generalizada desta síndrome sobre o organismo do indivíduo(3).
Outros sinais clínicos são: retardo de crescimento pré e pós-natal, frontal alto, glabela proeminente, cútis marmórea, maxilas alongadas e proeminentes, cabelos de implantação baixa e na nuca, orelhas inclinadas e de implantação baixa, olhos com fendas oblíquas para baixo, sobrancelhas fundidas na linha média, hirsutismo (região frontal, lábio superior, região posterior do antebraço), cílios longos, nariz pequeno, largo, proeminente e com a base deprimida, narinas voltadas para baixo, aumento da distância entre o nariz e a comissura labial, microrretrognatismo, filtrum longo e apagado, lábios finos com inclinação descendente, dentes pequenos e espaçados, palato posterior fendido, palato arqueado e elevado, tronco cilíndrico, distância intermamilar aumentada, hipoplasia dos ossos dos membros superiores, mãos e pés pequenos, ausência de dedos na porção ulnar da mão, ânus anteriorizado, autismo, hipertonia, alterações no sistema geniturinário masculino, entre outros(2).
Alterações menos freqüentes podem ocorrer como refluxo gastroesofágico, malformações cardíacas, surdez, miopia e problemas respiratórios, entre outras(4).
O diagnóstico da síndrome de Cornélia de Lange é clínico, baseado na face característica e no padrão de anomalias encontrados. A observação das anomalias da face é, em geral, suficiente para o diagnóstico(1) todavia, diante dos casos da síndrome se indica a análise cromossômica, pois a duplicação da faixa Q 25-29 do cromossomo 3 pode resultar num quadro fenotípico que se assemelha a esta entidade(1,2).
A maioria dos indivíduos com diagnóstico de síndrome de Cornélia de Lange não adquire independência para as atividades da vida diária. Uma das complicações subestimada nesta síndrome é a dificuldade de alimentação durante a infância, freqüentemente secundária ao refluxo gastroesofágico(1).
A deficiência auditiva não é freqüente, mas os indivíduos com a síndrome apresentam risco acrescido de quadros de otites(1).
Este trabalho teve como objetivo descrever os aspectos audiológicos de um indivíduo diagnosticado com síndrome de Cornélia de Lange.
Descrição do caso
A casuística foi composta por um indivíduo do sexo feminino, com diagnóstico de síndrome de Cornélia de Lange, cursando com deficiência auditiva sensório-neural.
A paciente está matriculada no Cedalvi (Centro de Atendimentos aos Distúrbios da Audição, Linguagem e Visão) do Hospital de Anomalias Craniofaciais - USP, sendo submetida aos exames audiológicos e ao processo de seleção de AASI.
Os dados foram coletados do prontuário, com enfoque na anamnese fonoaudiológica, otorrinolaringológica e nos aspectos audiológicos, incluindo exames como audiometria tonal limiar, medidas da imitância acústica e avaliação oftalmológica.
O estudo foi realizado no Cedalvi, no período de setembro de 2005 a fevereiro de 2006.
Resultados
A paciente E.L.F., de oito anos e sete meses, com síndrome de Cornélia de Lange, diagnosticada aos cinco meses de vida, é a primeira filha de casal não consangüíneo, nascida prematuramente, no oitavo mês gestacional, de parto tipo cesárea, com peso de 2.120 g e 43 cm de comprimento.
Quanto às condições de nascimento, apresentou anoxia, necessitando de oxigênio e permanecendo na incubadora por 15 dias. Em decorrência destas condições permaneceu por 40 dias na UTI, em uso de sonda nasogástrica até os nove meses de idade para a alimentação, devido a engasgos constantes. No período em que permaneceu na UTI foi diagnosticada fissura palatina pós-forame, sendo a cirurgia de palatoplastia realizada aos três anos e cinco meses.
No que se relaciona ao desenvolvimento neuropsicomotor, apresentou atraso significativo, andando com dois anos e nove meses, mas permanece com alteração motora. Apresenta disfagia orofaríngea neurogênica de grau moderado, com alteração no trânsito oral, retenção faríngea e penetração laríngea sem aspiração traqueal. Mantém-se de alimentos sólidos. Atualmente, com oito anos e sete meses, está iniciando o controle esfincteriano.
Quanto à saúde geral apresentou episódios de pneumonia, amigdalite, otite, febre, sinusite e convulsão. Até o presente momento, ingere diariamente medicamentos anticonvulsivante e ansiolítico.
Na avaliação genética a paciente apresentou os seguintes dados clínicos: microcefalia, fissura pós-incisiva, hirsutismo, sinofris, base nasal achatada, nariz dorsofletido, pré-maxila proeminente, lábio superior fino, micrognatia, orelhas de implantação baixa, mãos pequenas, hipoplasia de dígitos, dificuldade de sucção, refluxo gastroesofágico, cardiopatia, leve coartação da aorta e estenose pulmonar discreta, hipertermia, déficit pôndero-estatural e rins policísticos.
Na avaliação genética o exame de cariótipo apresentou resultado dentro da normalidade. Não há dados relevantes quanto aos antecedentes pessoais.
No aspecto audiológico foram realizados somente exames objetivos, pois devido às alterações comportamentais não foi possível a realização de exames audiológicos subjetivos. Os resultados obtidos no potencial evocado auditivo do tronco encefálico (PEATE) foram: 80 dBnHL no ouvido direito e 80/90 dBnHL no esquerdo, latências absolutas aumentadas, interpicos normais e com diferença interaural não significativa, bilateralmente. As emissões otoacústicas, tanto transientes como por produto de distorção, apresentaram-se ausentes bilateralmente. As medidas de imitância acústica revelaram curva tipo B bilateralmente, com reflexos estapédicos ausentes.
Em relação ao comportamento auditivo, os pais comentaram que ela reage a sons ambientais, como rádio e TV, em volume alto, portão batendo, objeto batendo na panela. Informaram, também, que a paciente não se irrita em ambiente ruidoso e não consegue localizar a fonte sonora.
Quanto ao desenvolvimento da fala, emite alguns vocábulos, como /mamã/ e /ai/ e grita muito. Os pais complementaram que a paciente necessita de gestos naturais para se comunicar.
A paciente faz seguimento na APAE, onde realiza fisioterapia e fonoterapia individual, para desenvolvimento da fala e linguagem. Realizou o processo de seleção de aparelho de amplificação sonora individual e está aguardando pelo modelo selecionado para adaptação biaural.
Discussão
De acordo com a Associação de Síndrome de Cornélia de Lange(1), a observação das anomalias da face é, em geral, suficiente para o diagnóstico da síndrome de Cornélia de Lange. No estudo se pode perceber que as anomalias de face da paciente ELF são suficientes para caracterizar tal síndrome, visto que o quadro clínico apresenta anomalias freqüentemente encontradas, como baixa estatura, retardo mental, microbraquicefalia, sobrancelhas hirsutas, micrognatia, hirsutismo e nariz pequeno, concordando com Santos e Ribeiro(2), Smith(3).
Conforme salientaram a Associação de Síndrome de Cornélia de Lange(1), Guerrero-Vázquez(4) e o Atlas de Neurologia(5), a deficiência auditiva não é freqüente, mas os indivíduos apresentam risco acrescido de quadros de otites, como pode ser observado na paciente estudada.
A deficiência auditiva não está inclusa no quadro da síndrome, porém a paciente apresentou esta alteração devido, provavelmente, às condições de nascimento e complicações no decorrer de seu desenvolvimento. A prematuridade e a anoxia, considerados fatores de alto risco, podem desencadear a deficiência auditiva.
Além da deficiência auditiva, também se verifica a presença do retardo mental significativo, assim, a paciente necessitou utilizar aparelho de amplificação sonora individual e acompanhamento de fonoterapia para evolução de fala e linguagem. Atualmente a paciente objeto deste relato apresenta evolução satisfatória, com boa resposta à amplificação, permanecendo no estágio de detecção de sons ambientais e de fala, mas ainda não desenvolveu fala inteligível.
Diante da síndrome de Cornélia de Lange é imprescindível a avaliação da função auditiva, devido ao fato de que intercorrências peri e pós-natais podem desencadear deficiência auditiva.
Conclusão
Quanto aos aspectos audiológicos, a paciente com diagnóstico de síndrome de Cornélia de Lange apresenta deficiência auditiva sensório-neural sugestiva de grau severo, bilateralmente, conforme PEATE.
Diante deste diagnóstico se faz necessária a avaliação periódica da função auditiva, visto que intercorrências sistêmicas podem desencadear deficiência da audição, embora os relatos desta síndrome na literatura, no que se refere a esta alteração, sejam escassos.
Bibliografia
1. Associação da Síndrome de Cornélia de Lange. Informação adaptada de Preventive management of children with congenital anomalies and syndromes, Wilson GN, Cooley WC [online] [consultado 12 jul 2005] [2 telas]. Disponível:URL: http://www.chc.min-saude.pt/hp/genetica/cornelialange.htm
2. Santos CIS, Ribeiro F. Atuação da fisioterapia na síndrome Cornélia de Lange: estudo de caso. A Fisioterapia na Internet! [online] 22 jul 2002 [consultado 12 jul 2005] [7 telas]. Disponível: URL:http://www.Santos e Ribeiro 2002.com.br/artigos_id.asp?
3. Smith DW. Síndromes de malformações congênitas. 3ª ed. São Paulo: Manole 1985.
4. Guerrero-Vazquez J. Síndrome de Cornélia de Lange [online] 05 nov 2002 [consultado 20 dez 2005] [2 telas]. Disponível:URL: http://www.medynet.com/usuarios/jguerrerof/casosped/011002_sol.htm
5. Atlas de Neurologia [online] [consultado 20 dez 2005] [1 tela]. Disponível: URL: http://www.iqb.es/neurologia/atlas/dandy/dandy06.htm
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Jerusa R. M. de Oliveira
Valdéia Vieira Oliveira
Rosana Ribeiro Manoel
Amarilis Barreto dos Santos Andrade
Mestres em Distúrbios da Comunicação pelo Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC-USP).
Trabalho realizado no Centro de Atendimento aos Distúrbios da Audição, Linguagem e Visão (Cedalvi) do Hospital de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC-USP).
Endereço para correspondência: Jerusa R. M. de Oliveira - Rua José Lúcio de Carvalho, 770 - Vila Carvalho - CEP 17201-150 - Jaú - SP - Tel.: (14) 3621-7102 – E-mail: jemassola@hotmail.com
Recebido para publicação em 07/2006. Aceito em 07/2007.
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